Cristovão Tezza
Quando
me perguntam o que tenho feito ultimamente, respondo que estou me dedicando à
literatura judiciária. Mas fiquem tranquilos – o tema de hoje não é o Código
Civil nem o sistema penal. A expressão me veio para definir um trabalho que
tenho feito não tão esporadicamente nos anos recentes: integrar comissão
julgadora de concurso literário. Não é uma atividade tão perigosa quanto julgar
desfile de carnaval, mas também tem seu risco. A cada concurso que encerro,
extenuado, juro a mim mesmo jamais aceitar outro convite; mas sou volúvel e o
tempo passa, e súbito vejo minha casa assaltada de originais ou livros a
julgar.
Como
já perdi muito concurso literário na vida, e ganhei outros tantos, acho que hoje
consigo pensar sobre a tarefa com alguma frieza e desfazer alguns equívocos
comuns de quem olha de longe. Conhecer os dois lados do balcão tem suas
vantagens.
A
primeira coisa a lembrar é óbvia: todo concurso é falível e comete erros e
omissões. Um concurso literário é apenas índice de valor de um momento, de
acordo com as cabeças idiossincráticas dos jurados, e não uma decisão
transcendente decretada pelas musas. Um corpo de jurados com predominância
acadêmica, por exemplo, tenderá a valorizar determinada linha de produção
literária; se houver predominância de jornalistas culturais, ou de escritores,
os resultados serão outros. Bancas de dois ou três jurados costumam ser mais
coerentes e objetivas (mas não necessariamente mais justas) do que as que contam
com dez julgadores; muitas cabeças, sentenças demais. Quase sempre a premiação
literária contraria o gosto popular; esta é uma das poucas áreas em que a
democracia não funciona. Se o concurso é de livros publicados, o conjunto da
obra do autor pode pesar no resultado. Enfim, há um emaranhado de variáveis que
interferem nos prêmios que, ao fim e ao cabo, se resumem todas, simplesmente, a
preferências estéticas e escolhas pessoais, o que é um duro equilíbrio. Concurso
é um fenômeno errático que não deve ser supervalorizado.
Mas
é bom que existam porque são uma opção importante para quem começa, desde que,
como disse, o escritor não veja neles mais do que eles são. Um escritor sério
não deixa de escrever porque perdeu um concurso, e nem se enche de vento porque
ganhou. O que impressiona, hoje, é a quantidade e a variedade de concursos
literários. Para a geração pré-internet, que foi a minha, é um paraíso – nos
anos 70 e 80 não havia praticamente nada além do Jabuti, que valia apenas um
jabutizinho de bronze. Hoje, há concurso literário para tudo. Descobri até um blog que parece o
google dos concursos literários (confira: http://concursos-literarios.blogspot.com.br/). E os
concursos deixaram de ser apenas ornamentais porque pelo menos uma grande
qualidade deles está sendo cada vez mais valorizada: o valor do cheque – afinal,
escritor não vive de brisa.
Fonte: Gazeta do Povo
http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1252263&tit=Literatura-judiciaria
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