quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Cristovão Tezza aponta perspectivas para a literatura

Porta aberta para o mundo
Vencedor de cinco prêmios em 2008, Cristovão Tezza aponta perspectivas para a literatura de língua portuguesa
por Luciana Lana Ramos


Sobre ter recebido o mais importante prêmio literário do mundo, em 1998, o escritor, jornalista, roteirista, dramaturgo e poeta português José Saramago disse: "Sim, tenho o Prêmio Nobel; e quê? É insignificante". Maior responsável pelo reconhecimento internacional da literatura de língua portuguesa, Saramago justificou a modéstia dizendo que, em relação ao Universo, o reconhecimento recebido não tinha qualquer poder transformador. Em relação ao universo literário brasileiro, prêmios vêm sendo cada vez mais representativos. Que o diga o escritor Cristovão Tezza, que, em doze meses, venceu cinco premiações. Seu romance O Filho Eterno foi eleita a melhor obra de ficção em dezembro de 2007 pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e, em 2008, levou o Prêmio Jabuti de melhor romance, o prêmio Bravo! de melhor obra, a primeira colocação no Portugal-Telecom de Literatura em Língua Portuguesa e o Prêmio São Paulo de Literatura como melhor livro do ano. "Nos últimos anos, a literatura brasileira começou a circular muito mais, a encontrar leitores, a ser valorizada por um conjunto de prêmios e concursos de grande repercussão e a receber uma boa atenção das editoras", Tezza comenta, em entrevista para a CP Língua Portuguesa. O autor reclama da "solidão da língua portuguesa" - que dificulta o reconhecimento internacional - e também não esquenta muito com o atual acordo ortográfico ("daqui a pouco ninguém mais se lembrará da reforma"), mas enxerga oportunidades para os escritores brasileiros no momento atual, em que o mercado brasileiro atrai editoras estrangeiras e alguns autores - como foi o seu caso - têm suas obras traduzidas e lançadas no exterior. Nesta entrevista, Tezza conta um pouco de sua trajetória, comenta O Filho Eterno, fala de alguns novos projetos e incentiva leitores e escritores: "a escrita é a mais ampla porta que se pode abrir para o mundo."

CP Língua Portuguesa - Qual a sua opinião sobre o acordo ortográfico entre os países de língua oficial portuguesa?
Cristovão Tezza -
Em princípio, não sou contra reformas ortográficas. A reforma de 1971, por exemplo, melhorou muito a grafia da língua. A atual tem claramente um perfil político - a utopia da unificação da escrita entre os países oficialmente lusófonos. Do ponto de vista técnico, é tímida. Eliminou algumas redundâncias gráficas, simplificou alguma coisa aqui e ali (o trema, por exemplo) e tentou pôr ordem nas palavras compostas, que continuam problemáticas. Eventualmente, pode haver vantagens políticas e comerciais, pensando na edição internacional de material didático, por exemplo. De qualquer modo, está se fazendo uma tempestade em torno de pouca coisa. Daqui a algum tempo ninguém mais se lembrará da reforma.

CPLP - Como você avalia a literatura brasileira contemporânea?
Tezza -
A literatura brasileira vem crescendo muito, depois de um certo interregno de silêncio, ou pelo menos pouca ressonância, que aconteceu ao longo dos anos 1980 e primeira metade da década seguinte. Nos últimos anos, a literatura brasileira começou a circular muito mais, a encontrar leitores, a ser valorizada por um conjunto de prêmios e concursos de grande repercussão e a receber uma boa atenção das editoras. Eu acho que a Internet vem desempenhando um papel excepcional nessa revalorização.

"Nunca pensei em escrever sobre minha experiência. É um tema completamente ausente de todos os meus livros anteriores. Simplesmente me passava pela cabeça. De uns quatro ou cinco anos para cá, a ideia surgiu e começou a me envolver." Cristovão Tezza

CPLP - Você acha que a literatura brasileira é devidamente reconhecida no exterior?
Tezza -
Não, isso não. Na verdade, é duro dizer, mas a literatura brasileira praticamente não existe no exterior. Só casos isolados, às vezes fenômenos mundiais como Paulo Coelho, mas esse corpus de textos que nos define literariamente não chegou a alcançar alguma universalidade. E a solidão da língua portuguesa também não nos ajuda muito.

CPLP - Como foi a experiência de se expor em um romance tão "autobiográfico" como O Filho Eterno?
Tezza -
Quando me decidi pela forma romanesca, foi escrever um romance como outro qualquer. Afinal, para quem não me conhece, o elemento ficcional é irrelevante; é uma informação extraliterária. Mas, num primeiro momento, pensei em escrever um depoimento ou mesmo um ensaio sobre a experiência de um pai com um filho especial. Felizmente não deu certo, e o romance tomou conta, o que me deu uma imensa liberdade.

CPLP - O que te levou à decisão de contar um drama pessoal num livro?
Tezza -
Basicamente, o fato de esse fato pessoal, a essa altura da minha vida, não ser mais drama nenhum. Isso me deu a distância e a frieza para enfrentar o tema sem me envolver propriamente com ele. A ficção tem esse poder. E eu não queria morrer sem de algum modo escrever sobre o fato mais impactante da minha vida.

CPLP - Você já pensava em abordar o tema antes e prorrogava por algum motivo?
Tezza -
Nunca pensei em escrever sobre minha experiência. É um tema completamente ausente de todos os meus livros anteriores. Simplesmente me passava pela cabeça. De uns quatro ou cinco anos para cá, a ideia surgiu e começou a me envolver.

"Somos definidos pela linguagem e, no universo das variedades que compõem esse mundo linguístico e político chamado 'língua portuguesa', a língua padrão, que a escrita representa, tem a função de nos colocar no mundo da História e da civilização. A escrita é a mais ampla porta que se pode abrir para o mundo." Cristovão Tezza

CPLP - Em que medida está a ficção no texto de O Filho Eterno (há nomes, personagens, locais fictícios)?
Tezza
- A ficção não está na correspondência ou não de nomes ou fatos com a chamada "realidade", mas no modo de se apropriar da linguagem, no impulso narrativo. Eu dei a um arcabouço de eixos reais - o nascimento de meu filho, a minha geração, a minha cidade, meus sonhos, um espaço geográfico concreto - uma percepção ficcional, isto é, um texto que avança sem o compromisso da objetividade factual (que é a base imprescindível da biografia), mas ao sabor de um narrador subjetivo que está a serviço de uma estrutura romanesca. Capítulos se sucedem pela lógica da ficção, os tempos se fundem em nome da unidade do romance, os fatos são cuidadosamente selecionados em função da moldura ficcional etc. No romance, a vida se concentra em duzentas páginas e ganha um sentido ficcional, uma lógica interna, que está completamente ausente da nossa vida real, que é um evento aberto, fragmentário e em grande parte caótico.

CPLP - Houve a intenção de provocar maior discussão do assunto, apoiar pessoas que passam por situação semelhante?
Tezza - Absolutamente nenhuma. O narrador de O Filho Eterno não tem nenhum conselho a dar a ninguém. Não é um livro de intenção edificante ou exemplar. É um romance, isto é, uma experiência alheia que se faz de criação e réplica, e em que "duplos" são postos à prova. O leitor entra no mundo romanesco sem uma intenção pragmática, ou a ficção se desfaz.

Fonte:
Revista Língua Portuguesa

Um comentário:

Ralf, o Poeta da Chuva disse...

Todas as congratulações a Cristovão Tezza, grande orgulho nacional.