quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Jornal Cândido #5

O Cândido #5 já está disponível! A capa é sobre o escritor "curitibano" Manoel Carlos Karam, que se notabilizou pela prosa humorística e experimental. Além de ensaios e matérias sobre ele, também tem dois contos inéditos do autor! E mais: entrevista com Michel Laub, bate-papo com Reinaldo Moraes, retrato de um artista do Lima Barreto, outros inéditos,... Ainda não clicou?!

Jornal Candido #5
issuu.com
Jornal da Biblioteca Publica do PR, #5, Ano 1, Dezembro 2011

Nota do Simultaneidades:
O Cândido nr. 5, traz entre outros excelentes textos a poesia da Curitibana Josely Vianna Baptista, abaixo um pouco sobre a poetisa, não deixe de conferir no Cândido outros poemas da autora!

Josely Maria Biscaia nasceu em Curitiba em 1957. Formada em Letras Hispânicas, com especialização em Semiótica, traduziu Cortázar, Carpientier, Cabrera Infante, Mutis, Goytisolo, a antologia de poesia neobarroca cubana e rioplantense Caribe Transplatino (Iluminuras) e o Paradiso de Lezama Lima, entre outros.

Publicou os livros de poesia Ar (1991), Corpografia (1992) e Outro (em co-autoria com Arnaldo Antunes, no álbum de arte homônimo de Maria Angela Biscaia, 2001).

para leminsky
junho 1989

penso e surpreendo dentro
esse peso suspenso
entre fuga e allegro

entre risos e abismo
resgato fragmentos
e vestígios do vértigo

(espreito, rima leonina,
as naus, bits e ítacas
de tuas russas cismas,
as lengua-lengas feras
de teus trobares raros)

entre sóis e êsseoésses
miro etrelas-desastres
e desorientes ferozes
rumo ao ouro quase-Órion
de um perhappiness

entre o novo e o velho
só vejo o vero fogo
que te tornou eterno

só vestígios do vétigo
desde que o caos
deixou de ser acaso
==

OS POROS FLÓRIDOS

I

Entre a lisura vã das dunas movediças,
ou entre a sombra lassa – zefir brônzeo –
que o sol alonga em ondas nas planícies de ônix.
Em raras simetrias, nos losangos
laranja que se enlevam, volúveis, aos desejos
do vento. Sob a cambraia opaca das imagens,
entre eloendros, febres, entre dentros.

Torrentes de rápidos
sobre pedras lisas, sobre pedras ásperas,
sobre pedras ríspidas, sobre pedras límpidas.
Tudo é igual e diferente de si mesmo.
Leitos de rios secos, securas de estrume,
restos de sementes, relevos do vento.

Arboresce selvagem entre os dendritos
-marca d’água na rocha, um grafito
hiperbóreo-, lascando-as (paliçadas)
em florestas de pedra. Inflorescendo,
fosco, em negrume de eclipse.
Troncos acarvoados que dormem
sob o solo.

Lascas de pedra fraturada
- solo branco de rastros,
nenhum sinal de passos.
Sol e lua incessantes
- pedra, fratura, estilhaço -
quase consomem os ossos dos bichos mortos.
Esculturas de cal, gesso moldado,
são os textos em branco desse espaço.
Sonhos que esquecemos noutros claros
fragmentos de textos insulados.

ou num poema náufrago, enleado,
caligrama salgado de sargaços
jogando entre as marés.

Entre os dedos lenhosos de teus pés,
em meio aos caules lisos, retorcidos
cordames de um barco abandonado
às tempestades de sol e sal.
Em chuvas de alfabetos secretos

-a curva de n num graveto, o volteio
do u num pedrusco-, ou num estudo
de Long para tubos de órgão: tocos negros,
pontudos, embarcadouro tosco.

E na serpente de seixos alinhados
que se pensam
mesmo sem que a luz brilhe sobre eles,
e se pensam pelos dedos
voltados sobre eles
como flores secas
que se abraçam a si mesmas
em raras tranças castanho-
quebradiço que a aragem
esgarça.

flor coral do cáctus
plástico sobre a areia,
a tulipa calcária
no púrpura da concha:

surpresa de si mesma
a cor se reverbera,
e num vermelho de lacre (hermafrodito
sobre a lava negra)

mimetiza o milagre.

No invisível de olhos
que se fecham em silêncio
Como dedos sobre pedras,
como se quisessem desenhá-las.
Nas coisas que se pensam
mesmo sem que a luz
brilhe sobre elas.

(Folha seca, leonina,
pétala rubra, folha fulva, opaline,
pétala crespa: veludo vermelho-bispo
perdido entre a educação dos cinco sentidos
ou fragmento de flor que o ar
transformou em ânimos de cor?)

Num rosto de paisagem que se devasta
ao tempo, esse tempo que em acenos
consome o que se anima ao sol, e
no desejo de um anjo adolescente.

Planície de seixos onde o vento esculpe,
lentamente, a paisagem de um rosto.

Rente à delicadeza das plantas,
e em seu retorcimento de securas.
Nas letras desmaiadas
das cartas nunca lidas, na goma opalescente
das pétalas ressecas, entre
a zarabatana aérea das sementes.

Você me diz:

o mar parece ver-te
ouro na praia (meias-luas
a sombras das folhas
sob o eclipse).

A imagem reinventa
em teu rosto a paisagem.

Entre os corpos
brancos do sal evaporado
a febre porejando
seus anéis de serpente.

Respira em fissuras, sob o vento
nordeste, em escamas transparentes
(as órbitas vazias) misturadas à areia
de um peix em agonia. No outro eu
que é teu (imagem sobre imagem),
poesia sem enigma, lucidez sob a luz,

De superfícies as nuvens sem céu.

e se esquece entre as pedras,
solitário,
como os pássaros suicidas dos desertos.

III

Fim de tarde, as sombras suam
sua tintura sobre as cores, extraem
da fava rara da luz o contorno das coisas,
as rugas na concha de um molusco,
grafismos, vieiras milenares com reservas
de sal, poema estranho trançado
em esgarços de oleandros,
enquanto corpos
mergulham em câmara lenta,
e nada é imagem
(teu corpo branco em mar de sargaços),
nada é miragem
na tela rútila das pálpebras.

As sombras suam, ressumbram,
e essa é a sombra mais certa das sombras
calcinadas que me cercam.

Quero levá-la no corpo,
como um amor, como inscrição rupestre
no granito, como o verso
que um tuaregue cola ao corpo.

Quero levá-la no corpo,
como um amor, como inscrição rupestre
no granito, como o verso
que um tuaregue cola ao corpo.

Quero levá-la comigo, como um amor,
como essa ausência azul que assombra
a noite e sonha o contorno de um rosto
no escuro, como se quisesse desenhá-lo.

Nenhum lugar. lugar algum perdura.
Um ventre a sombra alisa, um plano
o sol levanta, cumes que o vento
plissa. Sol branco, sol negro, o vento
apaga os rastros da areia, apaga
os passos da língua. E o sol

a pino assola, o frio da lua cresta
a pele que se solta,
o suor do corpo em febre
que se solta, e as peles são silêncios,
poemas que se deixam,
e o lugar é aqui, e lá, e ontem,
e as letras voam, revoam,
espreitam como cobras sob a areia
(camaleões se escondendo em si mesmos),
espiam as peles que se espalham, página
ou pálea, corpo que se desveste, desmente,
desvaira: tudo é miragem.

Um som de antigas águas apagadas.

É miragem a rima, a fábula do nada,
as falhas dessa fala em desgeografia,
a fala hermafrodita, imantação de astilhas,
a voz na transparência, edifícios de areia.

Mas teu olhar o mesmo, em íris-diafragma,
fotogramas a menos na edição do livro,
e o enredo sonho e sol, delírios insulares,
teu olhar transparente, a imagem
margem d’água, e as fábulas da fala,
as falhas desse nada – superfície de alvura

ou árida escritura.

Na moldura de página,
marginalia de escarpas.

VI

A luz seja de zênite, ou sombra amazônica,
o corpo (espessura) estar além do corpo,
e estar também em si, como a cor em si mesma.

Vislumbra a lucidez, feliz, suas ausências,
e os inversos se unem, as raias se rasuram
à vária, e nunca igual, magnífica maniera:

imanta ao visível a matéria invisível,
infólios incorpóreos desfolhados por cegos

(e o suor nos poros,
ásperos).

Foto de Francisco Faria
Fonte: /www.revistazunai.com.br
e/ http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/parana/josely_vianna.html

Nenhum comentário: