sábado, 10 de julho de 2010

De vez, um poema - (Zeca Leite)

Perdoa-me

Perdoa-me se te engano com a ternura do olhar,
o afago que chega tímido, o rasgo do peito,
segredos murmurados em palavras de vento.

Se te ofereço pedaços da minha vida,
se as lágrimas irrompem no meio da frase,
se um soluço corta o silêncio,
se a palavra só traduz saudade...
por favor, perdoa-me.

Aquele verso que achaste sangrento e belo,
aquela lembrança vinda na distração de um momento,
um jeito de dizer que amo e que me despeço,
o passo meio trôpego, cálice de bebida que acabou,
a noite que se fez mais densa, o dia que nasceu vazio...
por favor, perdoa-me.

Se teus olhos olhando nos meus
vêm uma poesia sem descanso,
se meus versos perderam o doce encanto,
se tudo que digo é tão dito, tão normal, tão antigo,
se a voz das confissões não tem o vigor de outrora,
se deixei de ser teu velho amigo,
se não sou mais teu esgarçado livro
onde lias minhas verdades suicidas,
então, por fim, te peço: perdoa-me.

É tudo mentira.

Todos os versos, sangrias, alegrias,
raiar da primavera, galos cantando à meia-noite,
canecas de lata, prato de alumínio deformado,
leitos gelados nas noites quentes de verão,
minha cabeça em teu peito como se fosse desmaio e sono,
foi tudo mentira...

Mentira, mentira, mentira.

Com tuas próprias inocências é que te comovestes,
tua sensibilidade é que te guiou pelos teus caminhos, não eu;
bebeste das águas que evitei, saciastes de frutos
que envenenei, te deixastes ir para o céu
acreditando nos sonhos que inventei.

Perdoa-me por todas as mentiras, e, se tiver coragem,
perdoa-me mais uma vez - agora -
porque estou te enganando com estes versos
enquanto desnudo verdades siamesas...
Zeca Corrêa Leite

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