sábado, 2 de julho de 2011

Liamir, memorialista irreverente

Por Aroldo Murá.

Liamir Santos Hauer: irreverência
Talvez o Centro Paranaense Feminino de Cultura nunca tenha estado tão repleto quanto na homenagem prestada à escritora Liamir Santos Hauer, quinta feira, dia 16.
Autora de quase uma dúzia de livros escritos em estilo bem-humorado e irreverente, alguns deles submetendo a verdadeiro strip-tease cenas e figuras da sociedade local, Liamir pode ter granjeado inimizades, mas um exército de amigas e amigos praticamente tomou de assalto a entidade cultural presidida pela professora Chloris Casagrande Justen, a fim de aplaudi-la e participar de efusiva confraternização.
Para uma autora “sui-generis”, a homenagem também foi diferente: em vez de soporíferos discursos e manifestações retóricas, Liamir submeteu-se a uma espécie de “pinga-fogo”, respondendo a perguntas a respeito de sua vida e obra, com intervalos de música lírica e popular brasileira a cargo de Orly Bach e Gilberto Bachmann. Sem papas na língua, a homenageada suscitou momentos de hilaridade e descontração no auditório, com respostas ferinas e recordações fundadas em invulgar capacidade de memória.

HERANÇA GENÉTICA
Liamir é filha da escritora Pompília Lopes dos Santos (falecida com mais de 90 anos) e do professor Dario Nogueira dos Santos. Em primeiras núpcias foi casada com o também professor Ernani Santiago de Oliveira, prefeito de Curitiba em meados do século passado, o que lhe proporcionou o papel de “primeira dama” da cidade, circunstância que ela diz ter detestado, “por não aguentar a bajulação”. Filha do casal, Leila Santiago Bufren é Phd em Documentação, com doutorado na Espanha, e professora aposentada da Universidade Federal do Paraná. Genes positivos, sem dúvida.

YOGA DOS MESTRES
Dos mais interessantes foram os episódios revelados no “pinga-fogo” tendo como protagonista o pai da escritora. Figura marcante do magistério paranaense no séc.XX, o prof. Dario era um homem arrebatado e verbalmente exuberante, lembra a filha, dizendo ser uma réplica da maneira de ser paterna. O que não se sabia, e nem a escritora havia registrado em seus livros, era que um dos pioneiros da yoga no Paraná foi o mestre Dario. E, mais ainda, Liamir revelou que também os mestres Oscar Martins Gomes e Raul Rodrigues Gomes (ambos catedráticos da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná) reuniam-se com seu pai para a meditação periódica, numa época em que raríssimos sabiam sequer do que se tratava.

PRUDÊNCIA DE POMPÍLIA
“Iluminado” pelas meditações, Dario comentou com a esposa Pompília que o amor que dedicava à família era o mesmo que dedicava à humanidade. “Aí você já está indo longe demais”, retorquiu Pompília, salvaguardando os direitos prioritários do lar. E graças a ela, o esposo livrou-se de uma “armação” montada por desafetos, em conluio com a polícia política do Estado Novo. Ao receber uma estranha correspondência entregue pelo carteiro e endereçada a Dario, Pompília percebeu tratar-se de propaganda comunista e antes que chegasse às mãos do marido resolveu destruí-la. Conhecedora do modo de ser do cônjuge, sabia que ele se interessaria em ler mais detidamente o material remetido sabe-se lá por quem. Na madrugada, num período em que o estado de exceção anulara a inviolabilidade do domicílio, a residência da família foi invadida e revistada por policiais, surpresos por não encontrar o material incriminador. Mesmo assim, o professor (que então vivia e lecionava em Paranaguá) teve que vir “se explicar” em Curitiba, livrando-se de maiores problemas graças à prudência da mulher.

CONTRA A VIOLÊNCIA
Liamir também contou episódio ocorrido quanto o povo parnanguara, revoltado com o afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos nazistas (há quem ponha em dúvida a verdadeira autoria dos torpedeamentos), passou a atacar violentamente estabelecimentos comerciais de cidadãos ou descendentes de alemães, japoneses e italianos. Dario enfrentou a multidão irada que pretendia destruir a confeitaria (a melhor do gênero na época), pertencente a uma cidadã germânica. Conseguiu impedir a destruição, mas, entre os patriotas mais exaltados da cidade, ganhou a pecha de “nazista” e até integralista (o que jamais fora). Enquanto isso, transferindo-se para Curitiba, a alemã fundou a célebre Confeitaria Schaffer. Referindo-se às vicissitudes paternas, Liamir comentou: “eu sou como ele, e só ainda não fui presa porque, graças a Deus, vivemos numa democracia.

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Publicado originalmente na coluna do autor: sexta-feira 17/jun/2011 18:43

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