Escrito há quase 10 anos, o pronunciamento abaixo retrata ainda hoje toda a Poesia e pujança do nosso Estado. Daí a importância de sua reprodução na data em que o Paraná comemora 158 anos de sua criação. - 29 de agosto data da Criação da Província do Paraná. Simultaneidades.
Paraná Poema
Por Rafael Greca
O ano de 2003 marca os 150 anos da emancipação política do Paraná, a serem comemorados a partir do próximo dia 19 de dezembro.
Permitam-me, Senhores Deputados, fazer aqui o elogio de minha terra. Um discurso feito de terra. Memória da terra sagrada do Paraná, que tantas e tão grandes riquezas deu à brava gente brasileira.
O Paraná nasce em berço de areias, no seu extremo leste, junto à praia original da ilha do Mel. Ali, onde a luz do Sol cria o primeiro instante da nova manhã, ali,junto aos sambaquis onde areia, cascalho e conchas guardam memórias dos primeiros mortais que se deitaram na terra.
O Paraná cresce nos granitos da Serra do Mar. As montanhas que nós, curitibanos, imaginamos verdes ou azuis, na proporção da distância em que as contemplamos.
Vista de perto, vasculhada em suas entranhas, a serra tem outras cores.
Eu, menino, testemunhei as explosões das pedreiras do meu avô Greca. Foi quando descobri que a montanha de granito é cinzenta, esbranquiçada, e, depois da dinamite, cintila, despedaçada em quartzo, feldspato e mica.
Aí vem o planalto curitibano.
Nascente e leito do rio Iguaçu.
Feitos de argila e turfa.
A argila, barro primordial, terra que recebe os pinhões.
Berço dos tingüi, que nela se acostumaram a viver escondidos nos buracos que chamavam "coivaras".
A mesma argila bendita que se fez barro para tijolos e telhas, bolachas de terra cozidas em formas européias, com as quais se ergueu a cidade. Tijolos maciços, telhas goivas, telhas alemãs, telhas francesas. As goivas, diz a lenda, moldadas coxas de escravos, barro temperado de suor com a forma dos corpos servis.
As alemãs, planas como escamas, amarradas umas às outras, medrosas dos ventos do Sul.
E as telhas francesas, mais comuns hoje em dia, novidade trazida da Europa por Francisco Klempz, nos idos de 1890, para sua olaria no Barigüi da Fazendinha.
A turfa negra, sabão de caboclo, barro dos banhados do Iraí, Miringuava e Iguaçu,horror dos prefeitos na difícil tarefa de pavimentar o Boqueirão e o Cajuru.
Assim é o adorado chão de Curitiba, terra de construir e semear. Ninguém compreendeu-o melhor do que os nossos avós, fundadores e imigrantes. A eles também nossa homenagem.
Mas, continuemos nossa viagem pelo cerne da terra paranaense, além dos ipês de Curitiba.
Vamos atravessar as muralhas de calcário, contemplar os salões subterrâneos de Colombo, as minas generosas de talco e cal, lá onde começa a terra dobrada. Rio Branco do Sul, Bocaiúva, Campinhos, Bacaetava, Serrinha, Lapa, Cerne, Purunã,todos os nomes da nossa expressiva Escarpa Devoniana.
Mas, aí já é o segundo planalto.
Pedras que, esmagadas, se tornam óleo, xisto betuminoso, no solo notável de São Mateus, sombreado de ervais. Arenitos rosados, em Vila Velha, Furnas, Brotas, Tamanduá, Palmeira, Buraco do Padre, Jaguariaíva, Capão Alto e Guartelá.
Berço do rio Tibagi, que no seu longo curso conhece outras histórias da terra.
Inesquecível no brilho e pureza de seus diamantes sem jaça, garimpados junto à antiga Vila dos Remédios, no acesso a Monte Alegre, hoje, Telêmaco Borba.
Há ainda o carvão, gerador de energia, aquele que move as máquinas da termelétrica de Figueira.
Sem falar no gás de Pitanga, no centro do Paraná. Dizem, tão volumoso, quanto o caudal de águas subterrâneas do nosso mar inferior, o aqüífero Guarani.
Dali brotam as águas quentes de Jurema, Verê, Foz do Iguaçu.
Passemos ao Terceiro Planalto, que começa no Morro do Chapéu, antes do rio das Mortes, portal dos Campos de Guarapuava. Ali despencam infinitas cascatas, as mais bonitas, escondidas pelo mato do sertão de Prudentópolis. Ali começa um mar de searas, verde mar de alimentos que frutifica o Paraná e move seu porto, a saciar parte da fome do mundo.
Agora estamos embarcados, canoas guarani nos fazem deslizar pelos rios Iguaçu, Piquiri, Ivaí, Tibagi e Paranapanema, até o extremo oeste.
Pode-se olhar diversas vezes um mesmo rio, nunca é a mesma a água que a gente vê.
Nada é mais glorioso do que a foz do Iguaçu, com suas miríades de borboletas amarelas, indo e vindo por entre os jorros das cascatas, lá onde nascem aos milhares as andorinhas, estas que vão e voltam, voando entre as ramas altas das sibipirunas e das canafístulas, rivalizando com as araras, os tucanos e as baitacas.
A lição de Heráclito de Éfeso, o que elogiava as lágrimas, também corre no nosso pranto.
Pranto pela derrubada das matas, pelo afogamento de Sete Quedas, pelas dores, pelos embates, pelas injustiças e pelo sangue derramado na ocupação, tão rápida, de tão extenso território.
Chegamos ao futuro.
As terras vermelhas e roxas do norte e do oeste do Paraná. Nascidas da decomposição do basalto, do cataclismo que separou África de América, no dia cósmico em que as águas do Atlântico fraturaram, afogaram e apartaram para sempre o continente de Godwana.
Paraíso perdido, terras mais férteis do mundo.
Útero tropical da civilização do café.
Plantamos a rubra fruta arábica, servimos ao mundo a estimulante e dadivosa bebida, e colhemos 200 notáveis cidades, em tempo menor que 50 anos.
No noroeste, a mata derrubada, herdamos o arenito Caiuá. Hoje se sabe, até ele pode ser fértil. Deserto capaz de se renovar, se corretamente manejado. O Paraná é, por inteiro, uma seara generosa.
No sudoeste, sonhamos em italiano a utopia realizada de terra para muitos, para aqueles que nela vivem e trabalham. Milhares de pequenas propriedades repartidas com italianos do norte, brasileiros do sul, que também aqui colheram cidades. Estas com menos de 40 anos.
O Paraná é tudo isso, e também a sua muralha, lá onde o Sol se põe. O imenso paredão de basalto negro, a conter o caudal do grande rio que nos dá seu nome.
Paraná, rio Paraná, muita água, água grande em tupi.
Lá onde dormem os jacarés e as capivaras, lá onde a onça pintada mata a sua sede, lá onde se aninham, aos milhares, andorinhas, araras, tucanos e baitacas.
O Paraná não cabe na medida da mediocridade, da inveja que é capaz de secar, desde o orvalho até o caudal de sucesso. O Paraná é maior do que as pessoas da testa curta, de inteligência estreita, de olhar mesquinho, de horizonte convergente,estes que são incapazes de viver em salões de pé-direito alto, de contemplar panoramas abrangentes.
Nosso Paraná é maior do que todas as dificuldades.
Mesmo com a Nação e o mundo cobertos pelas sombras da guerra.
Há de erguê-lo, sempre mais.
Nos combates cotidianos, marcados pela angústia do tempo.
E também neste Congresso Nacional, no momento de exaltar a terra e a gente
que nos elegeu – quando o tempo não existe, quando vestimos o verde manto de esperança – anelando a eternidade.
Manto debruado pelo brilho das letras, ouro bendito da nossa magna língua portuguesa.
Metáfora da nossa vida nesta terra.
Por isso, engenheiro, escolhi falar-lhes em termos geológicos. Com a linguagem original da terra paranaense.
O solo que nos amalgamou. Alicerce, base que nos sustenta.
Vivos, somos este pó levantado.
Terra Sagrada. Terra em pé.
O Paraná é sagrado, porque sagrados somos todos nós, os seus filhos.
Os que nascemos, nos erguemos, construímos a vida e vamos adormecer nesta terra.
Mesmo mortos, quando formos pó deitado, só a memória do Paraná e do Brasil, do bem que tivermos compartilhado ou realizado, nos dará a imortalidade. Esta imortalidade que queremos celebrar no momento em que principiam as comemorações do sesquicentenário da emancipação política do Paraná de São
Paulo, da criação do Paraná como unidade da Nação brasileira.
Pronunciamento proferido pelo deputado federal Rafael Greca, no dia 4 de dezembro de 2002, no pequeno expediente da Câmara dos Deputados sobre: Emancipação Política do Paraná.
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