A procura da essência na obra de Helena Kolody
por Ivan Justen Santana
No capítulo IV de seu ABC da Literatura, o poeta e crítico norte-americano Ezra Pound aponta um caminho para conceituar literatura e poesia. Ele observa que a palavra “poesia” em alemão, “Dichtung”, é uma forma derivada do verbo “dichten”, cujo sentido pode ser traduzido por “condensar”.
Assim, etimologicamente, poesia seria a linguagem carregada ao máximo de significado: a arte de concentrar e condensar conteúdos (idéias e emoções) em palavras.
A poética japonesa do haicai ilustra com perfeição esses valores de concisão e síntese.
E a pioneira na produção de haicais, no estado do Paraná, foi Helena Kolody. Seu livro de estréia, Paisagem interior, publicado em 1941, contém 45 poemas, três dos quais são haicais.
Alguns dos poemas deste primeiro livro foram depois retrabalhados por Helena, conforme pode-se ver em edições posteriores reunindo suas obras. O seguinte depoimento, transcrito na antologia Sinfonia da Vida (1997), é significativo:
Antigamente, eu me derramava em palavras. Um dia, o Dr. Andrade Muricy, um paranaense que era crítico de arte no Rio de Janeiro, aconselhou-me: “Você vai muito melhor no poema curto. Você quer encompridar e, às vezes, dilui o poema ou se repete. Você tem talento para a síntese”. Daí em diante, comecei a cortar os excedentes, deixando só o sumo, o essencial.
Examinaremos aqui dois exemplos de poemas que foram assim “recortados”: primeiro na forma com que saíram em Paisagem interior, e, logo após, como foram republicados em Correnteza, reunião de poemas lançada em 1977.
Viagem no espelho, a edição da obra poética completa de Helena Kolody, mantém os textos retrabalhados, mas é interessante fazer a comparação com suas formas “originais”.
Teriam estes poemas ganho mesmo mais força poética, ou alguma coisa ficou perdida, à espera de releituras como esta?
Leiam e julguem.
A TRISTEZA DAS MÃOS
Mãos tristes, sulcadas de rugas,
Que choram em silêncio a dor de envelhecer...
Pensar que já foram a alma festiva,
A graça inocente dum berço, num lar.
Frágeis mãozinhas, de dedos rosados,
Brincando com a vida.
Rainhas de um mundo de legenda,
Maleável e submisso ao seu comando.
Pálidas mãos, sulcadas de renúncias!
Mãos que foram jovens, belas e triunfais,
Confiantes em si mesmas, todo-poderosas,
Capazes de curvar a fronte mais altiva,
E de alterar o curso eterno das estrelas.
Tímidas mãos, que se apagam na sombra!
Mãos feitas de luz, doces mãos liriais.
Companheiras intrépidas e leais,
Solícitas e compreensivas.
Cheias de incentivo e paciência,
Misericordiosas mãos maternais.
Velhas mãos solitárias,
Como dói recordar!
(1941)
TRISTEZA DAS MÃOS
Choram em silêncio a dor de envelhecer.
Foram um dia a graça inocente
De um berço num lar.
Pálidas mãos, sulcadas de renúncias!
Foram jovens e belas,
Confiantes em si mesmas, todo-poderosas.
Tímidas mãos que se apagam na sombra!
Mãos feitas de luz, intrépidas e leais,
Solícitas e compreensivas,
Ternas mãos maternais.
Velhas mãos solitárias,
Como dói recordar!
(1977)
***
ALMA DE ARRANHA-CÉU
Se eu pudesse fugir ao banal da existência,
À planície da vida incolor e vulgar,
Se eu pudesse fugir, se eu ousasse tentar!...
Como um arranha-céu de fronte de granito,
Iria projetar uma estrutura de aço
Para a cintilação remota das estrelas,
Para a serenidade inefável do espaço,
Numa ascensão hercúlea em busca do infinito.
(1941)
ALMA
Se eu pudesse fugir à planície da vida...
Como um arranha-céu de fronte de granito,
Iria projetar uma estrutura de aço
Para a cintilação remota das estrelas,
Para a serenidade inefável do espaço.
(1977)
Bibliografia:
KOLODY, Helena. Correnteza. Curitiba : Lítero-Técnica, 1977.
________. Paisagem interior. Curitiba : edição da autora, 1941.
________. Sinfonia da Vida. [org. Tereza Hatue de Rezende] Curitiba : Pólo Editorial do Paraná, 1997.
________. Viagem no espelho. [2ª edição] Curitiba : Editora da UFPR, 1995.
POUND, Ezra. ABC da literatura. Tradução de: Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo : Cultrix, 1970.
Fonte:Centro Paranaense Feminino de Cultura
por Ivan Justen Santana
No capítulo IV de seu ABC da Literatura, o poeta e crítico norte-americano Ezra Pound aponta um caminho para conceituar literatura e poesia. Ele observa que a palavra “poesia” em alemão, “Dichtung”, é uma forma derivada do verbo “dichten”, cujo sentido pode ser traduzido por “condensar”.
Assim, etimologicamente, poesia seria a linguagem carregada ao máximo de significado: a arte de concentrar e condensar conteúdos (idéias e emoções) em palavras.
A poética japonesa do haicai ilustra com perfeição esses valores de concisão e síntese.
E a pioneira na produção de haicais, no estado do Paraná, foi Helena Kolody. Seu livro de estréia, Paisagem interior, publicado em 1941, contém 45 poemas, três dos quais são haicais.
Alguns dos poemas deste primeiro livro foram depois retrabalhados por Helena, conforme pode-se ver em edições posteriores reunindo suas obras. O seguinte depoimento, transcrito na antologia Sinfonia da Vida (1997), é significativo:
Antigamente, eu me derramava em palavras. Um dia, o Dr. Andrade Muricy, um paranaense que era crítico de arte no Rio de Janeiro, aconselhou-me: “Você vai muito melhor no poema curto. Você quer encompridar e, às vezes, dilui o poema ou se repete. Você tem talento para a síntese”. Daí em diante, comecei a cortar os excedentes, deixando só o sumo, o essencial.
Examinaremos aqui dois exemplos de poemas que foram assim “recortados”: primeiro na forma com que saíram em Paisagem interior, e, logo após, como foram republicados em Correnteza, reunião de poemas lançada em 1977.
Viagem no espelho, a edição da obra poética completa de Helena Kolody, mantém os textos retrabalhados, mas é interessante fazer a comparação com suas formas “originais”.
Teriam estes poemas ganho mesmo mais força poética, ou alguma coisa ficou perdida, à espera de releituras como esta?
Leiam e julguem.
A TRISTEZA DAS MÃOS
Mãos tristes, sulcadas de rugas,
Que choram em silêncio a dor de envelhecer...
Pensar que já foram a alma festiva,
A graça inocente dum berço, num lar.
Frágeis mãozinhas, de dedos rosados,
Brincando com a vida.
Rainhas de um mundo de legenda,
Maleável e submisso ao seu comando.
Pálidas mãos, sulcadas de renúncias!
Mãos que foram jovens, belas e triunfais,
Confiantes em si mesmas, todo-poderosas,
Capazes de curvar a fronte mais altiva,
E de alterar o curso eterno das estrelas.
Tímidas mãos, que se apagam na sombra!
Mãos feitas de luz, doces mãos liriais.
Companheiras intrépidas e leais,
Solícitas e compreensivas.
Cheias de incentivo e paciência,
Misericordiosas mãos maternais.
Velhas mãos solitárias,
Como dói recordar!
(1941)
TRISTEZA DAS MÃOS
Choram em silêncio a dor de envelhecer.
Foram um dia a graça inocente
De um berço num lar.
Pálidas mãos, sulcadas de renúncias!
Foram jovens e belas,
Confiantes em si mesmas, todo-poderosas.
Tímidas mãos que se apagam na sombra!
Mãos feitas de luz, intrépidas e leais,
Solícitas e compreensivas,
Ternas mãos maternais.
Velhas mãos solitárias,
Como dói recordar!
(1977)
***
ALMA DE ARRANHA-CÉU
Se eu pudesse fugir ao banal da existência,
À planície da vida incolor e vulgar,
Se eu pudesse fugir, se eu ousasse tentar!...
Como um arranha-céu de fronte de granito,
Iria projetar uma estrutura de aço
Para a cintilação remota das estrelas,
Para a serenidade inefável do espaço,
Numa ascensão hercúlea em busca do infinito.
(1941)
ALMA
Se eu pudesse fugir à planície da vida...
Como um arranha-céu de fronte de granito,
Iria projetar uma estrutura de aço
Para a cintilação remota das estrelas,
Para a serenidade inefável do espaço.
(1977)
Bibliografia:
KOLODY, Helena. Correnteza. Curitiba : Lítero-Técnica, 1977.
________. Paisagem interior. Curitiba : edição da autora, 1941.
________. Sinfonia da Vida. [org. Tereza Hatue de Rezende] Curitiba : Pólo Editorial do Paraná, 1997.
________. Viagem no espelho. [2ª edição] Curitiba : Editora da UFPR, 1995.
POUND, Ezra. ABC da literatura. Tradução de: Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo : Cultrix, 1970.
Fonte:Centro Paranaense Feminino de Cultura
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