sexta-feira, 16 de março de 2012

O toque e a sensibilidade

Por Pestana de Aguiar
em 07.03.2012.

Meu filho adormece –
O vidro com vagalumes
abro no jardim
Neide Rocha Portugal
Bandeirantes, PR

Creio que todo haicaista aprendiz cai sempre em algumas tentações. “Explicar” o kigo, descrevendo as características particulares do objeto, é uma delas. Outra, é tomar o atalho de repetir as obviedades do tema. Outra, ainda, é usar o kigo para conseguir o efeito presto-barba, “a 1ª faz tchan”, etc.

O haicai de Neide não fala sobre as luzes do vagalume, não aponta para a batida relação com as estrelas, não faz questão de garantir que o leitor não tenha a menor dúvida de que é noite, nem busca qualquer efeito espetaculoso. Não, ao invés disso, a haicaista mostra uma cena, e é a cena que nos “fala”, que nos toca para uma delicada relação homem (ou mulher)/natureza. Ou, quem sabe, de dois estágios dessa relação, aquele em que por qualquer motivo aprisionamos um ser vivo e aquele em que o libertamos única e exclusivamente porque já vivemos o suficiente para entender que a vida não pode ser aprisionada.

Porém, se o haicai não fala sobre elas, lá estão as luzes dos vagalumes, a noite e as estrelas, e não há necessidade de ser explícito: o leitor com sensibilidade haicaística – ou qualquer leitor com sensibilidade – as sente na cena.

Publicado originalmente no Blog Três Versos.

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