sexta-feira, 5 de novembro de 2010

MOSCA MORTA, por Rodrigo Madeira - Poesia Vencedora do Concurso Helena Kolody 2010

MOSCA MORTA

aaaaaaaaimitemos a insistência
aaaaaaaadeste inseto desprezado
aaaaaaaaaaaaaguillaume apollinaire


a retórica das moscas.
o latim das moscas.

as enciclopédias de uma única
onomatopeia.

há algo de eterno
na mortalidade acicular
de seu discurso

aaaaaaaaaa(diferente dos homens).

.aaaaaaaa.
aaaaaa.

moscas-contra,
pássaros-não, pelo
contrário, para
desmisti-
ficar a translucidez do ar

sobre os chassis dos corpos,
varejar a sobra,

vestir de asas a carne


2

ou tudo não é senão isto:
no viscoso humor vítreo,
muscae volitantes, apenas uma
luz endoidecida
na retina da páginaaaa.


aaaaaaaaaa3

aaaaauma mosca(ESTA)
aaaaaaaaaaaaarrenda todo o espaço
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaada sala
aaaaalatifundiária provisória
aaaaaalatifundiária da tarde

aaaaaaaaaaaa(do efêmero
aaaaaade uma sala à tarde)

aaaaaaaaalatifun
aaaaaaaaaaaaadiária

4

esta mosca especi
aaaaaaaaaaaafica (imóvel)
aaaaaaaaaaaamente (não mente),

morta sobre a fórmica
.
pousada nela mesma
.

dê-lhe alma eterna
e ainda agora corteja
febrilmente
o que de si for resto.

dê-lhe a mínima
transcendência
e a mosca, fidelíssima,
será a mosca de si mesmaaaa:

Rodrigo Madeira: (Foz do Iguaçu, 1979)
Poeta. Vive em Curitiba desde 1992. Alguns de seus poemas foram publicados em revistas e sites literários. Gravou, juntamente com Tullio Stefano e Ricardo Pozzo, o cd de récitas Psiconáutica. Vencedor do Concurso Helena Kolody de Poesias- Categoria Paraná em 2006, com o poema infância. Em 2.007 seu poema O inseto recebeu menção honrosa no mesmo Concurso Nacional de Poesias Helena Kolody.. É autor do livros Sol Sem Pálpebras (Imprensa Oficial, 2007)e Pássaro Ruim (2010).

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse poema sublima toda a mediocridade da dita "poesia contemporânea fora-do-hoje", dá pena ver o modelo CHICOBUARQUIANO de arte ainda imperar em nossos dias; e só para uns poucos, membros detentores de "notável e inquestionável poder simbólico", que supostamente podem julgá-la. Seres que, literalmente, dormem sobre as fantasias intrínsecas a uma classe social mais elevada (onde a simplicidade, a clareza, a profundidade do pensamento e a ingênua beleza hoje causam tamanho estranhamento).

O tempo em que a arte era o registro da memória mais íntima de um povo (que sem ela inexistiria), ou que expressava de maneira simples coisas extremamente complexas e vivas na própria realidade quase chegou ao fim: em "Mosca Morta" há realidade, mas essa é inacessível a qualquer um que realmente a viva.
Dá pena ver a poesia paranaense resumir-se a quase um só vate: Arthur Mistral, e seus "A pérola no fim", "Um fantasma na Caserna" ou "apologia ao crack da cidade sorriso".

Claudete Brás