terça-feira, 17 de maio de 2011

Frankfurt vem aí, por Affonso Romano de Sant' Anna

Milhares se pessoas estão se mobilizando para o próximo Rock in Rio, no final de 2011, milhares de outras estão envolvidas nos projetos da Copa do Mundo em 2014 e milhares, talvez milhões, na preparação das Olimpíadas 2016.
E para a Feira do Livro de 2013, em Frankfurt, quando o Brasil será o país tema, como estão as coisas?
Essa Feira, na Alemanha, a maior do mundo, deveria ter a importância do festival internacional do rock, da Copa e das Olimpíadas.
Frankfurt é a olimpíada, a copa e o rock do "povo do livro".
Estava em Paris, há dias. E tive que experimentar uma vez mais essa melancólica humilhação: a literatura brasileira é a literatura de um autor só- Jorge Amado. Olhei, como venho fazendo há mais de 50 anos, as estantes dedicadas a tchecos, poloneses, asiáticos, russos, japoneses, nórdicos, americanos e latino americanos. Cadê o Brasil? Nada. Procurando muito, lá está Jorge Amado (sempre) entre eles, os de língua espanhola. Mais ninguém. Nem Clarice, nem Drummond, nem Guimarães Rosa ou Machado de Assis. Nelson Rodrigues, nem pensar.
Pergunto cinicamente ao vendedor: -Por que não tem uma estante de autores brasileiros? Ele, condescendente, diz: - Não há autores suficientes.
A gente quando olha o mundo a partir daqui, acha que além dos maiores rios e florestas do mundo, temos a melhor música, a melhor literatura, o melhor cinema, etc. Olhado o Brasil de fora para dentro, é diferente: não existimos. Somos uma coisa exótica abaixo do Equador. Lembro-me de quando dava aulas de literatura brasileira no exterior, as pessoas ao saberem disto, me perguntavam:- Mas existe isto? Me olhavam como Montesquieu olhava um persa em Paris. Aos seus olhos eu estava dando aulas de uma coisa inexistente.
A primeira vez que fui à Itália, nos anos 60, vi um livro de Rosário Fusco sendo vendido numa banca da Via Veneto . Pensei: Rosário Fusco está arrebentando na Europa. Não era verdade. Deve ter acontecido com ele o que acontece com qualquer autor brasileiro: algum editor ou tradutor entusiasmado faz essa proeza. E fica nisto. Não há política cultural, Não há um projeto contínuo e consequente de exportação da literatura brasileira .
Digo isto por ter sido um dos articuladores da presença brasileira na Feira de Frankfurt em 1994, quando presidia a Fundação Biblioteca Nacional. Foi um esforço memorável, apesar de todos os problemas. O pavilhão brasileiro conseguiu ser mais visitado que o da França, que detinha o récorde de visitas. Havíamos criado estratégias de exportação da cultura brasileira e um projeto de tradução de nossos autores. O país tinha então 160 milhões de habitantes, hoje 200 milhões. Estávamos ( ainda) em crise. Durante os seis anos que passei na FBN convivi tive seis ministros da cultura. Era impossível um planejamento sério, a longo prazo. Hoje é diferente.
Hoje a revista "The Economist" vive dizendo que o Brasil é uma maravilha e estamos até acreditando nisto. Houve melhoras louváveis na gestão Gil-Juca no Ministério da Cultura. Conseguimos botar uma biblioteca em cada município e temos milhares de programas de "mediadores de leitura". O governo desonerou a indústria editorial de impostos esperando que ela invista na produção de leitores e não de livros apenas. Mas continuamos sendo o pais de um autor só. E para sair disto é simples e barato: basta lançar um projeto não só de tradução, mas de financiamento de edições de 200 autores por ano. Uma andorinha só não faz verão. Se em 2013 tivéssemos 600 autores ( ou títulos) novos em outras línguas, aí, quem sabe, o livreiro europeu ia descobrir que a literatura brasileira existe?
Essa intervenção maciça no mercado é urgente, até para compensar a invasão de best-seller estrangeiros em nosso país. Basta comparar as listas de mais vendidos dos anos 60 e 70 com a de agora, para ver como o nosso QI literário baixou alarmantemente.
Sei que o atual governo está começando a cuidar deste assunto. Até estive numa reunião do "povo do livro" na FBN comandada por Galeno Amorim. Mas por mais que esse assunto operacionalmente esteja na área de dois ou três ministérios, só resultará num avanço histórico caso se transforme numa ação do Estado, num assunto de interesse maior da Presidência da República.
Repito:

Frankfurt 2013 é a olimpíada, a copa e o rock do "povo do livro".

Fonte: Literacia

Nenhum comentário: