Provocações
Teve alguém que disse: “Ou o poeta mata o soneto ou o soneto acaba com a poesia”. E não foi com tal radicalismo que se chegou ao bom poema de nossos dias. Vivem e convivem: quadras, sonetos, sextilhas, trovas, décimas, poesias livres e sem rimas, haicai... Só o féretro da antipoesia deve passar sem o acompanhamento de leitores.
A arte é da vanguarda porque rompe o entrave de regimes e ideologias, e o Modernismo é um movimento de vanguarda, por excelência. Aos escritores, artistas e poetas cabe a responsabilidade de guiar os povos, restaurando valores, porque o entulho destrói a sociedade e, isto tem muita importância num mundo aético, de valores invertidos, espalhando e espelhando formas de anticultura.
Já virou modismo representar a miséria e, dói-nos dizer, chegam a divertir-se com a desgraça. O trágico vem sendo apresentado como pitoresco. Não seria melhor apresentar ao povo o bom e o belo, do que conduzi-lo ao pessimismo? - É preciso preservar e defender valores, destacando em primeiro lugar o direito à liberdade.
As idéias éticas e sociais estão inseridas nas artes e na literatura, tanto os aspectos materiais da vida, quanto os sonhos, as lendas, os mitos, os ideais, o imaginário e tudo quanto é humano, como a esperança.
***
Feito isso, como intróito, posso agora revelar que foi diante da dificuldade em localizar literatura regional paranaense, para meus trabalhos, que me perguntei:
Existe uma literatura que identifique o Paraná?
Bento Munhoz da Rocha Neto, como querendo eternizar um episódio, reproduziu em livro o que a revista carioca “A Ordem” escreveu:
“O Paraná é um Estado típico desses que não têm um traço que faça deles alguma coisa notável, nem geograficamente como a Amazônia, nem pitorescamente como a Bahia ou o Rio Grande do Sul. Sem uma linha vigorosa de história como São Paulo, Minas e Pernambuco, sem uma natureza característica como o Nordeste, sem lendas de primitivismo como o Mato Grosso e Goiás”. Por isso o Paraná “forma nessa retaguarda característica de incaracterísticos”. E mais adiante: “O paranaense não existe”! E conclui categórico, o articulista: “O Paraná é um Estado sem relevo humano”.
- Então Bento revidou: “Bendizemos a plebe que floresce ao suor fecundante do semeador a criar riquezas. E temos os lances generosos do gaúcho. A galhardia cativante de suas atitudes francas. A linha correta das condutas elegantes. A coragem de encarar de peito descoberto as situações precárias. E de vencê-las de cabeça ao sol”.
Mas nossos escritores se valem deste paranaense, escrevendo em sua defesa, valorizando-o e identificando-o em suas narrativas?...
Quem são os escritores “paranistas”?
1) Paulo Leminski tem uma temática de estilo próprio. Espalhafatoso identifica a si mesmo e não a sua terra, nem em prosa e nem em versos;
2) Helena Colody é uma poetisa da língua portuguesa e, por incluir – vez ou outra – a palavra “pinheiro” em suas estâncias, não é identificadora do paranismo;
3) Dalton Trevisan se identifica como o “Vampiro de Curitiba” por não apresentar, em sua temática, uma referência de identidade, tão diversa é sua estética;
4) Domingos Pellegrini, também, variando a temática entre o urbano e o micro-regional, pouca contribuição tem dado para a afirmação de uma literatura identificadora do Paraná...
5) Noel Nascimento, autor de “Casa Verde”, pode ser considerado “paranista” por romancear a historiografia do Paraná. Descreve tipos de uma época e numa área geográfica difícil de uniformizar as gentes, pois os conflitos do “Contestado” se deram nos limites do campeiro com o matuto. Por seu esforço deve fazer parte da galeria dos literatos paranistas.
6) Adolpho Mariano da Costa, notadamente com três de suas obras “O Donatário”, “Canal de Desvio” e “Parábolas da Terra sem Males”, contribui para registrar, mesmo que pouco, o tipo do homem das micro-regiões Oeste e Sudoeste do Estado.
Ninguém duvida quando lê Graciliano Ramos, José Lins do Rego ou João Cabral de Melo Neto, que sejam nordestinos;
A obra de Monteiro Lobato também é regional (de São Paulo e metade sul de Minas Gerais), porque em seus personagens não figuram os gaúchos, os nordestinos, os amazonenses, e nem os tropeiros e os pantaneiros;
A literatura regional gaúcha é identificada de sopetão, porque, como disse Mário de Andrade: “De todas as literaturas regionais do Brasil, tenho a impressão que a gaúcha é a que mais apresenta uma identidade de princípios, uma normalidade geral dentro do bom, uma consciência de cultura, uma igualdade intelectual e psicológica, que a torna fortemente unida e louvável”;
A Bahia se identifica em Jorge Amado assim como Jorge Amado identifica a Bahia, na sua escrita.
***
Parece que o “modernismo”, da famosa Semana da Arte Moderna de São Paulo, de 1922, ainda não chegou ao Paraná! Por que é que não repercutiu no meio literário curitibano?
Apenas alguns elementos da Academia Paranaense de Letras tentaram, na década de quarenta, implantar o modernismo, mas os “imortais” venceram a parada, e os modernistas tiveram que se declarar antiparanistas! – Um absurdo, pois no significado exato da palavra eram muito mais paranistas justamente os que apoiaram o modernismo e não os acadêmicos que, naquele momento se portaram como reacionários!
Trevisan estava entre aqueles modernistas, assim como Bento Munhoz da Rocha Neto que, em 67, ao assumir a cadeira disse: “A Academia tem a responsabilidade diante dos jovens que estão surgindo, venham eles do panorama clássico do Paraná ou convirjam para a sua metrópole, dos quatro cantos de nossas regiões pioneiras”.
Mas surgiu um regionalismo tão tímido que não conseguiu mostrar o rosto paranaense. Trevisan, Munhoz da Rocha, Guimarães da Costa, entre outros, esqueceram que, com raras exceções, não é a literatura urbana que identifica os regionalismos. Temos como exemplo os grandes: Manuel de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias), Machado de Assis, Raul Pompéia, ou mesmo Mário Quintana e Aloísio Azevedo, pois o cenário deles poderia ter sido a geografia de qualquer cidade do Brasil, sem perder nada da beleza de conteúdo e qualidade.
Como naquele tempo, que aos críticos elitistas não interessava a revelação de servidões no campo e na cidade, o homem comum, a injustiça social, a vida, as lutas do povo paranaense... ainda hoje, aquela posição retrógrada se reflete de algum modo no formalismo, com o empobrecimento do conteúdo, emperrando o desabrochar do paranismo... – Ainda, há dois anos, quando a Assembléia Legislativa tentou oficializar uma indumentária tradicional (do tropeiro) que identificaria o paranaense, a mídia conseguiu demover o governador para que não assinasse a lei, e continuamos sem identidade “visual”.
Assim, num apelo mais provocativo do que teórico, pergunto: Não é hora de se dar uma marca, uma identidade à literatura regional do Paraná, com temática e estética paranaense, ou paranista?
- Não poderíamos nós, escritores independentes da ACPAI e da UBE-PR, assumir este papel resgatante e propagandista?
- Não deveríamos identificar os escritores que tenham tal propensão, e incentivá-los para que firmem uma temática e uma estética de nosso chão, e para o nosso chão?... E daí para o mundo...
Nada mais legítimo nem mais humano do que o amor à paisagem de todo o dia, ao cenário da querência, com sua marca própria de grandes campos ondulados, salpicados de capões com pinheiros; visual que o habitante do interior se habituou.
Mas o escritor paranaense ficou entre São Paulo (centro econômico e político) e o Rio Grande do Sul (o irradiador da cultura campeira e tropeira que identifica sobremodo o “modus faciendi” do paranaense tradicional). Na paisagem sulista estavam, e estão, os elementos geográficos que podem servir de base para a iniciação de uma cultura literária própria. Própria e comum, com Santa Cataria e o Rio Grande do Sul, como são comuns aos três Estados: a geada, o pinheiro, o mate, o tropeirismo, etc...
Estes Campos Gerais que, desde Jaguariaíva, se estendem para o sul abrindo o leque que abriga Castro, Ponta Grossa, Guarapuava, Palmas, Lapa, Curitibanos, Lages, Vacaria, Lagoa Vermelha, Passo Fundo, Cruz Alta e, pela região Missioneira – também de campos gerais -, derrama-se pelos pampas de São Gabriel, Alegrete, Uruguaiana, Livramento, Bagé, donde se manda “a la cria” Argentina e Uruguai adentro, eram, como ainda são, convites para embrionar uma literatura bem nossa.
Não nos falta nada, como fonte temática, para que tenhamos nossa literatura identificada. Temos uma paisagem exuberante: serras, campos, quedas d’águas...
Temos flora e fauna como os demais.
Temos gentes como os demais: índios, brancos, negros...
Temos uma História riquíssima: a mineração do primeiro ouro do Brasil, a província índio-cristã de Guaíra, a independência da Comarca, abolicionismo, imigração, Revolução Federalista, Guerra do Contestado...
Temos dois ciclos econômicos inspiradores: Tropeirismo e erva-mate;
Temos lendas, superstições e até uma culinária regional;
Temos os caminhos da Graciosa, das tropas, do Peabiru...
Temos as sagas de Guairacá, de Bento Viana, de Silva Gomes, dos monges...
Temos o romantismo de Paiquerê, de Naipy e Tarobá;
Temos vocabulário, linguajar, expressões...
Enfim: Temos todos os aspectos necessários para o pano de fundo à criação literária terrantesa: mitos, usos, costumes, ditados, símbolos e heróis. Temos até o arquétipo que se formou no Paraná tradicional, que é o tropeiro, que é o biriva, que é o tingui. Só nos falta uma identificação!
Mas que não seja um crachá de última hora, mas sim um documento legítimo e substancioso, para um povo de estirpe elevada e que se orgulhe de sua gente e de seu jeito, de seus ancestrais, de sua história, de seu chão e de sua literatura.
Devemos, sim, o quanto antes, criar o sentimento terrantês, sonhado e proposto na “Semana de 22”, buscando temática nos motivos folclóricos de nossa terra.
No realismo, o romancista tem condições excepcionais de conteúdo numa terra tão riquíssima, mas tão desconhecida de seus habitantes.
Após tais reflexões, cabe-nos o alerta: Se não tomarmos esta providência, o Paraná corre o risco de ver o povo desligar-se de suas raízes.
________________
Exposto e refletido o problema, e sabedores d’onde queremos chegar, cabe abrir e trilhar o caminho paranista. Seja em prosa, seja em verso, não há mais motivos que justifiquem nublar a identidade dos paranaenses.
Seguindo a historiografia e a geografia humana, não temos nada para criar, mas apenas recriar o Paraná Tradicional e dar-lhe vida.
Certo é que, abandonado como foi, notadamente no último meio século, onde o rádio e, principalmente, a televisão foram se impondo e uniformizando todos os aspectos e valores do cotidiano de nosso povo, num verdadeiro desserviço ao regionalismo, é forçoso dizer que a empreitada não será fácil.
Não será fácil porque as potências não vêem com simpatia os pólos culturais nativos, haja vista representarem obstáculos para sua invasão cultural.
A cultura de massa impondo-se dia-a-dia, vendendo o seu produto através da publicidade, de um lado e, do outro ficou a cultura popular, não dirigida, respaldada apenas na tradição oral.
Com certeza não há espaço na sociedade industrial para valores, hábitos, costumes e ritos da sociedade tradicional. E, é exatamente nesta bipolarização de sociedade tradicional e industrial que se vê a condição de uma literatura resgatante, para os novos escritores, já que os grandes literatos não se aventurarão nesta direção.
Estamos em tempo, ainda, porque nem tudo foi banido pelo surto progressista. O tradicionalismo campeiro conseguiu, até o presente momento, manter, sob a cinza poluidora, uma brasa à espera de um assopro para virar labareda.
E, se é pela tradição, que algo é passado à geração seguinte, seja através do elemento dito ou escrito, e algo é entregue, isso constitui tradição – e nos constitui.
Evidente que a narrativa literária está mais preocupada com a ficção do que com a realidade, mas nem por isso pode-se negar que tenha entrado onde a historiografia não penetrou com segurança em certas particularidades e, isto pode ser ampliado de modo que possa vir a ser algo grandioso, como se percebe nos regionalismos de outras plagas brasilianas.
O primeiro passo para que o paranismo possa ser praticado e divulgado é estudar a História do Estado e da Região. Sem isto não há como criar um romance que identifique este torrão. Não há maneira de identificar o regionalismo sem a paisagem e a geografia para pano de fundo.
O palco do paranismo são os Campos Gerais, tendo por bastidores a sua História. Seu personagem principal é o tropeiro, pilchado e de cuia na mão, seja ele estancieiro, escravo ou peão.
Teve alguém que disse: “Ou o poeta mata o soneto ou o soneto acaba com a poesia”. E não foi com tal radicalismo que se chegou ao bom poema de nossos dias. Vivem e convivem: quadras, sonetos, sextilhas, trovas, décimas, poesias livres e sem rimas, haicai... Só o féretro da antipoesia deve passar sem o acompanhamento de leitores.
A arte é da vanguarda porque rompe o entrave de regimes e ideologias, e o Modernismo é um movimento de vanguarda, por excelência. Aos escritores, artistas e poetas cabe a responsabilidade de guiar os povos, restaurando valores, porque o entulho destrói a sociedade e, isto tem muita importância num mundo aético, de valores invertidos, espalhando e espelhando formas de anticultura.
Já virou modismo representar a miséria e, dói-nos dizer, chegam a divertir-se com a desgraça. O trágico vem sendo apresentado como pitoresco. Não seria melhor apresentar ao povo o bom e o belo, do que conduzi-lo ao pessimismo? - É preciso preservar e defender valores, destacando em primeiro lugar o direito à liberdade.
As idéias éticas e sociais estão inseridas nas artes e na literatura, tanto os aspectos materiais da vida, quanto os sonhos, as lendas, os mitos, os ideais, o imaginário e tudo quanto é humano, como a esperança.
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Feito isso, como intróito, posso agora revelar que foi diante da dificuldade em localizar literatura regional paranaense, para meus trabalhos, que me perguntei:
Existe uma literatura que identifique o Paraná?
Bento Munhoz da Rocha Neto, como querendo eternizar um episódio, reproduziu em livro o que a revista carioca “A Ordem” escreveu:
“O Paraná é um Estado típico desses que não têm um traço que faça deles alguma coisa notável, nem geograficamente como a Amazônia, nem pitorescamente como a Bahia ou o Rio Grande do Sul. Sem uma linha vigorosa de história como São Paulo, Minas e Pernambuco, sem uma natureza característica como o Nordeste, sem lendas de primitivismo como o Mato Grosso e Goiás”. Por isso o Paraná “forma nessa retaguarda característica de incaracterísticos”. E mais adiante: “O paranaense não existe”! E conclui categórico, o articulista: “O Paraná é um Estado sem relevo humano”.
- Então Bento revidou: “Bendizemos a plebe que floresce ao suor fecundante do semeador a criar riquezas. E temos os lances generosos do gaúcho. A galhardia cativante de suas atitudes francas. A linha correta das condutas elegantes. A coragem de encarar de peito descoberto as situações precárias. E de vencê-las de cabeça ao sol”.
Mas nossos escritores se valem deste paranaense, escrevendo em sua defesa, valorizando-o e identificando-o em suas narrativas?...
Quem são os escritores “paranistas”?
1) Paulo Leminski tem uma temática de estilo próprio. Espalhafatoso identifica a si mesmo e não a sua terra, nem em prosa e nem em versos;
2) Helena Colody é uma poetisa da língua portuguesa e, por incluir – vez ou outra – a palavra “pinheiro” em suas estâncias, não é identificadora do paranismo;
3) Dalton Trevisan se identifica como o “Vampiro de Curitiba” por não apresentar, em sua temática, uma referência de identidade, tão diversa é sua estética;
4) Domingos Pellegrini, também, variando a temática entre o urbano e o micro-regional, pouca contribuição tem dado para a afirmação de uma literatura identificadora do Paraná...
5) Noel Nascimento, autor de “Casa Verde”, pode ser considerado “paranista” por romancear a historiografia do Paraná. Descreve tipos de uma época e numa área geográfica difícil de uniformizar as gentes, pois os conflitos do “Contestado” se deram nos limites do campeiro com o matuto. Por seu esforço deve fazer parte da galeria dos literatos paranistas.
6) Adolpho Mariano da Costa, notadamente com três de suas obras “O Donatário”, “Canal de Desvio” e “Parábolas da Terra sem Males”, contribui para registrar, mesmo que pouco, o tipo do homem das micro-regiões Oeste e Sudoeste do Estado.
Ninguém duvida quando lê Graciliano Ramos, José Lins do Rego ou João Cabral de Melo Neto, que sejam nordestinos;
A obra de Monteiro Lobato também é regional (de São Paulo e metade sul de Minas Gerais), porque em seus personagens não figuram os gaúchos, os nordestinos, os amazonenses, e nem os tropeiros e os pantaneiros;
A literatura regional gaúcha é identificada de sopetão, porque, como disse Mário de Andrade: “De todas as literaturas regionais do Brasil, tenho a impressão que a gaúcha é a que mais apresenta uma identidade de princípios, uma normalidade geral dentro do bom, uma consciência de cultura, uma igualdade intelectual e psicológica, que a torna fortemente unida e louvável”;
A Bahia se identifica em Jorge Amado assim como Jorge Amado identifica a Bahia, na sua escrita.
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Parece que o “modernismo”, da famosa Semana da Arte Moderna de São Paulo, de 1922, ainda não chegou ao Paraná! Por que é que não repercutiu no meio literário curitibano?
Apenas alguns elementos da Academia Paranaense de Letras tentaram, na década de quarenta, implantar o modernismo, mas os “imortais” venceram a parada, e os modernistas tiveram que se declarar antiparanistas! – Um absurdo, pois no significado exato da palavra eram muito mais paranistas justamente os que apoiaram o modernismo e não os acadêmicos que, naquele momento se portaram como reacionários!
Trevisan estava entre aqueles modernistas, assim como Bento Munhoz da Rocha Neto que, em 67, ao assumir a cadeira disse: “A Academia tem a responsabilidade diante dos jovens que estão surgindo, venham eles do panorama clássico do Paraná ou convirjam para a sua metrópole, dos quatro cantos de nossas regiões pioneiras”.
Mas surgiu um regionalismo tão tímido que não conseguiu mostrar o rosto paranaense. Trevisan, Munhoz da Rocha, Guimarães da Costa, entre outros, esqueceram que, com raras exceções, não é a literatura urbana que identifica os regionalismos. Temos como exemplo os grandes: Manuel de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias), Machado de Assis, Raul Pompéia, ou mesmo Mário Quintana e Aloísio Azevedo, pois o cenário deles poderia ter sido a geografia de qualquer cidade do Brasil, sem perder nada da beleza de conteúdo e qualidade.
Como naquele tempo, que aos críticos elitistas não interessava a revelação de servidões no campo e na cidade, o homem comum, a injustiça social, a vida, as lutas do povo paranaense... ainda hoje, aquela posição retrógrada se reflete de algum modo no formalismo, com o empobrecimento do conteúdo, emperrando o desabrochar do paranismo... – Ainda, há dois anos, quando a Assembléia Legislativa tentou oficializar uma indumentária tradicional (do tropeiro) que identificaria o paranaense, a mídia conseguiu demover o governador para que não assinasse a lei, e continuamos sem identidade “visual”.
Assim, num apelo mais provocativo do que teórico, pergunto: Não é hora de se dar uma marca, uma identidade à literatura regional do Paraná, com temática e estética paranaense, ou paranista?
- Não poderíamos nós, escritores independentes da ACPAI e da UBE-PR, assumir este papel resgatante e propagandista?
- Não deveríamos identificar os escritores que tenham tal propensão, e incentivá-los para que firmem uma temática e uma estética de nosso chão, e para o nosso chão?... E daí para o mundo...
Nada mais legítimo nem mais humano do que o amor à paisagem de todo o dia, ao cenário da querência, com sua marca própria de grandes campos ondulados, salpicados de capões com pinheiros; visual que o habitante do interior se habituou.
Mas o escritor paranaense ficou entre São Paulo (centro econômico e político) e o Rio Grande do Sul (o irradiador da cultura campeira e tropeira que identifica sobremodo o “modus faciendi” do paranaense tradicional). Na paisagem sulista estavam, e estão, os elementos geográficos que podem servir de base para a iniciação de uma cultura literária própria. Própria e comum, com Santa Cataria e o Rio Grande do Sul, como são comuns aos três Estados: a geada, o pinheiro, o mate, o tropeirismo, etc...
Estes Campos Gerais que, desde Jaguariaíva, se estendem para o sul abrindo o leque que abriga Castro, Ponta Grossa, Guarapuava, Palmas, Lapa, Curitibanos, Lages, Vacaria, Lagoa Vermelha, Passo Fundo, Cruz Alta e, pela região Missioneira – também de campos gerais -, derrama-se pelos pampas de São Gabriel, Alegrete, Uruguaiana, Livramento, Bagé, donde se manda “a la cria” Argentina e Uruguai adentro, eram, como ainda são, convites para embrionar uma literatura bem nossa.
Não nos falta nada, como fonte temática, para que tenhamos nossa literatura identificada. Temos uma paisagem exuberante: serras, campos, quedas d’águas...
Temos flora e fauna como os demais.
Temos gentes como os demais: índios, brancos, negros...
Temos uma História riquíssima: a mineração do primeiro ouro do Brasil, a província índio-cristã de Guaíra, a independência da Comarca, abolicionismo, imigração, Revolução Federalista, Guerra do Contestado...
Temos dois ciclos econômicos inspiradores: Tropeirismo e erva-mate;
Temos lendas, superstições e até uma culinária regional;
Temos os caminhos da Graciosa, das tropas, do Peabiru...
Temos as sagas de Guairacá, de Bento Viana, de Silva Gomes, dos monges...
Temos o romantismo de Paiquerê, de Naipy e Tarobá;
Temos vocabulário, linguajar, expressões...
Enfim: Temos todos os aspectos necessários para o pano de fundo à criação literária terrantesa: mitos, usos, costumes, ditados, símbolos e heróis. Temos até o arquétipo que se formou no Paraná tradicional, que é o tropeiro, que é o biriva, que é o tingui. Só nos falta uma identificação!
Mas que não seja um crachá de última hora, mas sim um documento legítimo e substancioso, para um povo de estirpe elevada e que se orgulhe de sua gente e de seu jeito, de seus ancestrais, de sua história, de seu chão e de sua literatura.
Devemos, sim, o quanto antes, criar o sentimento terrantês, sonhado e proposto na “Semana de 22”, buscando temática nos motivos folclóricos de nossa terra.
No realismo, o romancista tem condições excepcionais de conteúdo numa terra tão riquíssima, mas tão desconhecida de seus habitantes.
Após tais reflexões, cabe-nos o alerta: Se não tomarmos esta providência, o Paraná corre o risco de ver o povo desligar-se de suas raízes.
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Exposto e refletido o problema, e sabedores d’onde queremos chegar, cabe abrir e trilhar o caminho paranista. Seja em prosa, seja em verso, não há mais motivos que justifiquem nublar a identidade dos paranaenses.
Seguindo a historiografia e a geografia humana, não temos nada para criar, mas apenas recriar o Paraná Tradicional e dar-lhe vida.
Certo é que, abandonado como foi, notadamente no último meio século, onde o rádio e, principalmente, a televisão foram se impondo e uniformizando todos os aspectos e valores do cotidiano de nosso povo, num verdadeiro desserviço ao regionalismo, é forçoso dizer que a empreitada não será fácil.
Não será fácil porque as potências não vêem com simpatia os pólos culturais nativos, haja vista representarem obstáculos para sua invasão cultural.
A cultura de massa impondo-se dia-a-dia, vendendo o seu produto através da publicidade, de um lado e, do outro ficou a cultura popular, não dirigida, respaldada apenas na tradição oral.
Com certeza não há espaço na sociedade industrial para valores, hábitos, costumes e ritos da sociedade tradicional. E, é exatamente nesta bipolarização de sociedade tradicional e industrial que se vê a condição de uma literatura resgatante, para os novos escritores, já que os grandes literatos não se aventurarão nesta direção.
Estamos em tempo, ainda, porque nem tudo foi banido pelo surto progressista. O tradicionalismo campeiro conseguiu, até o presente momento, manter, sob a cinza poluidora, uma brasa à espera de um assopro para virar labareda.
E, se é pela tradição, que algo é passado à geração seguinte, seja através do elemento dito ou escrito, e algo é entregue, isso constitui tradição – e nos constitui.
Evidente que a narrativa literária está mais preocupada com a ficção do que com a realidade, mas nem por isso pode-se negar que tenha entrado onde a historiografia não penetrou com segurança em certas particularidades e, isto pode ser ampliado de modo que possa vir a ser algo grandioso, como se percebe nos regionalismos de outras plagas brasilianas.
O primeiro passo para que o paranismo possa ser praticado e divulgado é estudar a História do Estado e da Região. Sem isto não há como criar um romance que identifique este torrão. Não há maneira de identificar o regionalismo sem a paisagem e a geografia para pano de fundo.
O palco do paranismo são os Campos Gerais, tendo por bastidores a sua História. Seu personagem principal é o tropeiro, pilchado e de cuia na mão, seja ele estancieiro, escravo ou peão.
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Carlos Zatti, gaúcho de Constantina, nascido em 1947, radicado no Paraná há mais de 30 anos. Tradicionalista e musicista, Bacharel em Ciências Contábeis, é Escritor, associado ao Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR). Membro fundador do Gesul e secretário geral do Movimento O Sul é o Meu País.
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